por Kevin Corcino
Noite de sexta-feira, 25 de Junho de 1999. Eu estava em Londres, durante um programa de intercâmbio. Tinha acabado de pegar o meu lugar no ônibus rumo a Munique, cidade alemã onde Michael iria apresentar Michael Jackson & Friends. Estava enjoado - não a normal dor de cabeça e a vontade de vomitar, era ânsia. Sintomas normais para qualquer fã que está prestes a ver uma lenda em show.
Mas não estou falando de qualquer lenda, estou falando da lenda, a lenda que em tudo que toca, transforma em música, a lenda que em cada passo desafia a gravidade, a cada som emitido, uma música, o número um, o Rei, o único, meu ídolo, Michael Jackson. Eu não parava de pensar o quão sortudo eu era, justamente quando eu estava fazendo intercâmbio na Europa, o Michael marca uma apresentação totalmente inesperada, era o acontecimento que eu tinha esperado por 16 anos completos - tirando os 2 anos em que eu não conseguia falar. Quando eu soube da notícia através do fã-clube Inglês, eu não pensei duas vezes, comprei minha passagem para Munique; todos na minha família entendiam que esse era um acontecimento histórico para mim.
No ônibus, junto comigo, estavam cerca de 49 outros fãs. Tínhamos uma longa trajetória a percorrer, iríamos de Londres até Dover, onde atravessaríamos de balsa o Canal da Mancha. Em seguida chegaríamos no continente, especificadamente em Calais, na França, onde seguiríamos até a cidade alemã. Todo o percurso iria durar cerca de 12 horas.
A jornada começou tranqüila, tudo parecia perfeitamente sobre controle e a excitação já estava começando dentro do nosso "Michael-móvel". Mas a tranqüilidade não durou muito: enquanto estávamos atravessando o Canal da Mancha, um funcionário na balsa ouviu gritos de socorro de alguém que teria supostamente caído no mar e o alarme de emergência soou.
Os rumores dentro do barco era que tinham achado um corpo boiando no mar. A balsa começou a dar voltas e voltas a procura do corpo e ficamos nessa situação por seis horas. Nós começamos a nos convencer fisicamente e emocionalmente de que não iríamos mais ver o Michael Jackson em Munique. A atmosfera na balsa era terrível, sombria e triste; a excitação que tínhamos sentido no começo da viagem agora era uma memória distante.
De repente, sem aviso algum, o capitão anunciou que a emergência tinha acabado e que tudo não passava de um mal-entendido. A viagem iria prosseguir. Aplausos foram ouvidos em todo o barco. Chegamos no continente e começamos novamente nossa viagem no ônibus. Estávamos nos aproximando de Munique à velocidade da luz, o ônibus tremia de tanta excitação, apenas alguns minutos nos separavam da chegada do Michael. A fita do show de Dangerous estava passando na televisão, todos conversando sobre o Michael, tudo estava perfeito, até que... bem, até que o ônibus quebrou...
Mas nós estávamos lá, estávamos juntos, já tínhamos passado por um bocado de coisas e tínhamos esperanças de que tudo ia acabar bem! Afinal éramos fãs do Michael Jackson! Não tem outra palavra que nós não conhecemos melhor do que esperança! E lá se foram mais duas horas parados na estrada. Chegando em Munique, foi incrível. Toda a cidade parecia como se fosse um enorme reino do Michael. A cidade respirava Michael Jackson! Ele estava em todas as rádios, em todos os canais de televisão, em todos os jornais, nas ruas só se ouvia o nome dele, Munique na verdade era "Michaelândia"!
Ao chegarmos ao hotel, só tínhamos disposição de pegar nossos ingressos e ir para cama, afinal no dia seguinte quem quisesse ficar na frente do palco teria que acordar muito cedo. Alguns fãs foram acampar na frente do hotel do Michael, que já estava completamente tomado por outros fãs de toda parte do mundo e pela imprensa.
Era Domingo, dia do show. Meu parceiro de quarto me acordou as 5 horas da manhã, hora para pegar as coisas e correr para o estádio onde o show só iria começar as 5 horas da tarde. Chegamos no estádio às 6 horas, e ficamos na fila que já estava formada. Depois disso, nada interessante aconteceu, cantamos algumas músicas, conhecemos mais fãs de outras partes do mundo e esperamos. Por volta do meio-dia, os seguranças avisaram que os portões iriam ser abertos as doze e meia, foi ai que a coisa começou a melhorar.
Eu estava usando um passe que me permitia entrar no primeiro setor da platéia, onde eu ficaria muito perto do palco e eu não precisaria entrar na fila como o restante do pessoal e isso gerou muita inveja por parte de outros fãs que não o tinham. Eu percebia muita gente pronta para me agarrar e pegar meu passe. Mas inveja é uma coisa com que você tem que estar acostumado.
Eu não tinha idéia de como seria entrar no estádio, já tinha ido a outros shows em Londres, onde segurança e organização são prioridades; mas estávamos em Munique e o meu amigo disse que uma vez que aqueles portões fossem abertos o que prevalecia era a lei da selva, cada um por si e que nos separaríamos ali mesmo. Logo em seguida a fila começou a andar, e os portões foram abertos.
Meu coração batia a mil por hora, eu perdia todos os meus sentidos um por um ao ver que o portão se aproximava. Quando finalmente fui revistado, meu amigo estava do meu lado; foi aí que vi todo o cenário: centenas de pessoas correndo feito loucas. Nesse momento paralisei, virei um zumbi, eu estava chocado com aquilo. Depois o que me lembro é de meu amigo me puxando pelo braço e gritando "Corre, corre, corre, corre!...".
Foi quando acordei e percebi que estávamos numa guerra, estávamos numa selva, cada um por si. Meu amigo gritou "corre!" pela última vez e disparou em meio à multidão. Corri feito um alucinado. Para passar a idéia exata de como era o cenário, eu peço para que vocês, leitores, que se lembrem do vídeo "Brace Yourself" (incluido em todo home video do Michael): as cenas da multidão desesperada correndo para chegar na frente são verdadeiras. Só que na realidade é muito pior, eu tenho que apontar esse aspecto negativo do show, eu não sei se Michael está consciente disso, ou se é puramente culpa dos organizadores, mas o que fazem conosco (fãs) é crueldade.
Entre os portões e o estádio existe uma longa distância a se percorrer e já no meio do percurso existe um imenso funil, onde outros guardas revistavam as pessoas uma por uma. Esse foi o ponto alto da crueldade, um funil com centenas de pessoas se espremendo para passar, só haviam 4 seguranças. Eu olhei para o meu lado direito e ouvia pessoas chorando, umas por agonia do aperto, outras por ter se machucado, outras ainda perdidas, haviam crianças no meio e em vez de se ouvir o nome do Michael só os gritos e choros. Olhei à minha esquerda e me encontro com o meu amigo, ele me disse que tinha perdido os óculos, o relógio e sua bolsa. Depois eu virei novamente e ele não estava mais lá.
Lógico que mais cedo ou mais tarde o funil iria ser arrebentado pela multidão e foi o que aconteceu. Os guardas ainda tentaram conter, mas foi em vão, continuamos correndo, pessoas derrubavam as outras, outras caiam por si próprias. O estádio de Munique é praticamente enterrado no solo. Quando você entra nele, você não sobe, você tem que descer uma enorme escadaria e novamente cenas de pessoas tropeçando e caindo eram constantes. Com cuidado, consegui descer toda a escada e correr para a etapa final, o gramado.
Ainda correndo, consegui entrar no famoso "Snake pit", o lugar onde as pessoas ficam em frente ao palco. Em ordem de não ser esmagadas pelo pessoal de trás tentando chegar na frente, os organizadores criaram uma barreira separando as primeiras pessoas das ultimas. Uma pessoa que consegue entrar no "Snake Pit" consegue ver o Michael apenas a alguns metros de distância e se for preciso ir ao banheiro, eles te dão um passe te permite voltar ao mesmo lugar em que estava. Em outras palavras, o melhor lugar de todo o estádio.
Passado o sufoco da correria, eu não conseguia acreditar que eu iria ver o Michael apenas a alguns poucos metros de mim. Eu olhava em volta e via franceses, espanhóis, ingleses, italianos, japoneses, alemães, americanos, holandeses, sulafricanos, incrível, todo o mundo unido em uma só língua, Michael Jackson! Eram 1:30 da tarde, só faltavam três horas e meia para os convidados começarem a se apresentar. Eram 5:30 quando os Scorpions abriram o show. Notei que havia uma garota segurando uma bandeira familiar: verde, amarela, com um circulo azul e no meio escrito "Ordem e Progresso". Eu pensava que eu era o único brasileiro em meio à 70 mil pessoas, mas logo descobri que éramos dois: eu e Danielle.
Os convidados foram se apresentando um por um, eram 8:30 da noite, já faziam 14 horas que eu estava em pé e não tinha comido quase nada no café, olhei para Danielle e estávamos exaustos, o próximo a se apresentar era Andrea Bocceli, eu até que estava feliz que finalmente algum artista de qualidade subiria ao palco, afinal foram 2 performances seguidas de Boyzone e All Saints.
Apesar de todo o cansaço, a oportunidade de ver Michael nos fazia resistir. Um apresentador alemão entra no palco e começa a falar em alemão, eu não entendia nada, estava totalmente cansado, com fome e morrendo de vontade de ir ao banheiro, mas do nada todo o estádio começa a gritar, eu não entendia o porque, até que...
Ele entra no palco, eu repito, ele entra no palco, minha nossa, minha primeira visão do meu ídolo: Michael Jackson; eu entrei em nirvana. O cara que eu tenho acompanhado minha vida toda através de uma televisão finalmente estava na minha frente a apenas poucos metros de mim.
Ele estava fantástico, usava óculos escuros, uma jaqueta azul marinho com milhões de pedrinhas brilhantes no ombro. Minha primeira visão do Michael ao vivo, era impossível escutar o que ele dizia, as 70 mil pessoas não deixavam. E logo após ele deixou o palco. Eu estava em êxtase, isso serviria de combustível para as próximas 3 horas, quando o veríamos de novo.
Mais duas apresentações tinham acabado, e era a vez do todo poderoso Michael Jackson. Todas as caixas de som estavam a toda potência, o barulho da multidão era como um vulcão entrando em erupção, o palco está todo esfumaçado, todos na multidão gritam "We want Michael!" e a fumaça vai se dissipando, até que a espera termina. Lá está ele, totalmente paralisado como no começo do "Medley" que cantou no MTV Music Awards 1995. Ele não precisa se mover, não precisa falar, só a presença dele era o suficiente para explodir o estádio.
E ele começa o "Medley". Nossa eu tinha uma idéia que Michael dançava muito bem, mas quando você o vê ao vivo... ele dança muito bem! Durante "Medley" ele cantou "Jam", "The Way you Make me Feel", "Black or White" e "Billie Jean". Eu pensei que nunca ia vê-lo dançar "Billie Jean" ao vivo, já vi zilhões de vezes através de uma tela, mas ao vivo era diferente; vê-lo colocar o chapéu na cabeça e começar a dançar foi incrível, eu tinha que pedir para que Danielle me beliscasse para saber que tudo aquilo era real; quando ele fez o Moonwalk, eu ajoelhei e agradeci a Deus por estar lá. Foi fantástico!
Sabia todas as letras de todas as músicas que ele cantava, mas ficava calado. Eu queria ouvi-lo cantar. No meio de "Black or White", Slash entra em cena tocando sua guitarra, era demais, Slash é o máximo! O "Medley" chega ao fim, eu já estou com os joelhos tremendo e a mão suando, mas nada poderia me preparar para o próximo ato. "Dangerous", com uma coreografia totalmente diferente! Esqueça MTV Music Awards e as apresentações da HIStory World Tour. Essa nova versão é absolutamente fantástica: roupas diferentes, a musica está diferente, os passos, tudo! Ele leva todos ao delírio.
Logo em seguida ele começa a cantar "Earth Song", ele não só canta e dança, mas também representa. A apresentação é muito bonita, eu adoro aquela música. Já no meio da apresentação uma ponte surge na frente do palco, ninguém sabe ao certo o que Michael vai fazer com aquela ponte, mas lá está ela. No fim aprendi que aquela ponte se chama "A ponte sem retorno", uma vez que você atravessa para a alegria de um lugar melhor, você nunca vai retornar.
Mas voltando a apresentação, Michael começa a atravessar a ponte, enquanto ele corre, explosões seguem seus passos, apenas centímetros separam as explosões de sua perna, ao chegar no topo da ponte, Michael ergue os braços e de repente o topo da ponte começa a ser elevado enquanto que as "pernas" da ponte são separadas. Os seguranças de Michael parecem preocupados e sem aviso nenhum o topo despenca do alto e para quem estava perto do palco se ouve um estrondo, e dá para ver Michael dizendo "ooooooochhhh" (o equivalente ao "ai" de dor).
O topo tinha freios de emergência que obviamente entraram em ação, Michael pousou abaixo do nível do palco, agora você só conseguia ver a metade do corpo dele. Ele parece não ter sofrido nada grave, há correria atras do palco, Michael parece confuso sem saber o que fazer, atrás dele o show continua, tudo parece normal. Alguém corre no palco para ajudar Michael a sair da ponte, mas ele consegue fazer isso sozinho. Ele sobe de volta ao palco e continua com a apresentação, mesmo ferido e com dor ele continua com todo o show como se nada tivesse acontecido. Só quem estava perto do palco notou tudo isso acontecer, para o restante do público isso foi apenas parte do espetáculo. Mesmo sofrendo, com a mãos sangrando um pouco, Michael continuou a música até o fim, sem errar, nem mesmo trocar as letras: isso é que eu chamo de profissionalismo!
Michael se retira do palco, eu achei que ele ia parar o show, afinal ele é Michael Jackson, o artista mais valioso do planeta, era mais do que justo que ele parasse, afinal ele estava ferido. Mas isso não aconteceu, Michael volta ao palco para terminar sua ultima música: "You Are Not Alone". Uma garota tinha sido escolhida para subir ao palco, mas por razões óbvias, ela é colocada de volta na platéia. Essa era a última música, o fim dessa aventura emocionante que foi Michael Jackson and Friends. Para mim, uma experiência inesquecível, fiquei em pé quase 14 horas para ver Michael se apresentar durante 30 minutos, mas valeu a pena cada segundo. O sentimento do estádio era de alegria, alguns estavam preocupados por conta do acidente mas no geral, todos estavam alegres.
O maior talento de Michael não é dançar como ninguém, ou cantar unicamente, ou escrever músicas incríveis como só ele faz. O maior talento deste homem extraordinário que eu tenho como ídolo é trazer alegria às pessoas, seja em sua música, seja dançando, ou fazendo caridade. Michael tem esse dom de alegrar pessoas, trazer felicidade, e naquela noite foi o que ele fez para 70 mil pessoas no estádio e para milhões que foram beneficiadas com as rendas do projeto.
E quanto a mim? Bem, eu não realizei o meu maior sonho de conhecê-lo, nem de dizer obrigado por sua música, mas eu sei que coisas vem com o tempo, esperei 16 anos por aquele momento, e todas as minhas expectativas foram cumpridas. Voltei para o hotel, encontrei com o meu amigo, que além de se divertir muito, conseguiu conhecer o Michael. Me despedi da Danielle, e segui o meu caminho, rezando para que um dia eu cruze com Michael Jackson.
Créditos :: MJBeats ::