Revista Veja, 9 de setembro de 1987.
Por Maria Amélia Rocha Lopes.
Quando o compositor americano Michael Jackson quebrou todos os recordes da história do disco, em 1983, detonando uma febre pelo LP Thriller, que contagiou 38 milhões de pessoas em volta do mundo, ganhou o posto de ídolo mais popular da música e um incômodo dilema - como dar continuidade a esse estrondoso sucesso. A resposta de Jackson chegou às lojas na semana passada nas dez faixas de Bad, seu primeiro disco em quatro anos. Longe dos estúdios em que Jackson depositou sua inspiração, um exército de publicitários e executivos cuidava de dar outra solução ao dilema do compositor. Para lançar Bad, detonou-se em todo o mundo a mais gigantesca e cara campanha promocional já feita para um artista. Nos Estados Unidos, calcula-se que só um novo disco dos Beatles mereceria investimento equivalente. No Brasil, gastaram-se na campanha 200.000 dólares, cerca de 10 milhões de cruzados, cifra só investida no lançamento dos discos de Roberto Carlos. Se Michael Jackson, em sua volta, não chega a impressionar, o produto em que ele se transformou parece destinado a marcar um tento na propaganda.
Até o final de setembro, a CBS, gravadora de Jackson, espera colocar 2,5 milhões de cópias de Bad em mãos dos ouvintes americanos. No Japão, onde o compositor inicia neste sábado uma turnê mundial, espera-se vender 1,5 milhão de cópias e, no Brasil, 500.000 cópias - pouco menos da metade do que vendeuThriller. Depois dessa escalada inicial, segundo se espera, o disco deve iniciar uma ascensão em direção a cifras multimilionárias. A estratégia para a criação de uma nova jacksonmania no mundo começou a ser traçada em junho, quando os principais executivos da CBS se reuniram em Nova York especialmente para discutir o assunto. "Nosso objetivo era conseguir que todo mundo, fã ou não de música pop, ouvisse falar no lançamento de Bad", revela Jim Caparro, vice-presidente de vendas da CBS americana.
SIGILO - A primeira regra determinada pelos idealizadores da campanha é que o conteúdo de Bad fosse mantido em rigoroso sigilo até a data de lançamento, marcada para 31 de agosto. Em meados de agosto, uma das músicas do LP foi distribuída às rádios de todo o mundo em forma de "mix" - LP de uma só faixa. Em 31 de agosto, finalmente, foi feita uma blitz de distribuição de discos a todas as lojas americanas, enquanto a cadeira de televisão CBS mostrava um especial de 50 minutos com novas e antigas músicas de Jackson e as ruas das principais cidades eram invadidas por outdoors anunciando o lançamento.
No Brasil, a campanha em torno de Bad iniciou-se no dia 1º de setembro, de maneira igualmente espetacular. Às 9 horas da noite, enquanto a Rede Globo exibia uma adaptação do mesmo especial mostrado nos Estados Unidos, em São Paulo, no Rio de Janeiro e em mais cinco capitais do país, a CBS promovia uma grande festa para radialistas, jornalistas e socialites com a distribuição de 5.000 kits promocionais contendo uma cópia de Bad, um mix com a faixa-título do LP, uma camiseta estampada com o rosto de Jackson, um livro com textos e fotos sobre sua carreira, botões de lapela e adesivos. Para se ter uma idéia do que significa a distribuição gratuita apenas dos 5.000 LPs, este é o número de discos dos mais variados títulos que uma loja de grande porte, no centro de São Paulo, vende em um mês.
"Gastar 10 milhões de cruzados na promoção de Michael Jackson não significa risco, pois ele é um artista de lucro certo," diz Roberto Augusto, diretor de marketing da subsidiária brasileira da CBS. Pelos planos da gravadora, nenhum brasileiro escapará de ser informado de que há um novo disco de Michael Jackson na praça. Ao longo deste mês, 300 outdoors serão espalhados nas principais capitais do país e 18.000 posters enfeitarão as lojas de discos.
GUERRA - Em São Paulo, o painel luminoso do Vale do Anhangabaú, visto diariamente por 350.000 pessoas, estampará quinze comerciais por hora anunciando o lançamento de Bad. A Rede Globo, por seu turno, apresentará clipes das músicas do disco nos próximos dias 20 e 27. Nessa guerra promocional, valem recursos pouco ortodoxos. No jogo final do campeonato paulista de futebol, no domingo dia 30, por exemplo, Jackson arrumou um inesperado garoto-propaganda no jogador Müller, do São Paulo, o time vencedor. Ao postar junto com o time para a clássica foto de campeão, Müller viu cair em suas mãos uma cópia de Bad, entregue por um divulgador da gravadora. Müller agradeceu o presente e acabou por exibi-lo em todas as fotos. Resta saber, agora, se o público responderá às músicas de Jackson com o mesmo entusiasmo com que elas são alardeadas. O alarde, é certo, venderá muitos discos. Mas também contribuirá para que se espere de Bad algo muito melhor do que se divulga com tanto ímpeto.
No disco Bad, a tecnologia entra na dança
Trancado nos estúdios durante um ano, Michael Jackson acabou por construir com o LP Bad um suntuoso monumento à moderna tecnologia de gravação. Não há um único aspecto - dos arranjos vocais à mirabolante idéia de gravar o som do seu coração e processá-lo digitalmente, como se ouve na abertura da faixa Smooth Criminal - que não pressuponha uma técnica detalhista e rebuscada. Esta busca de eficiência tem dois resultados: se proporciona o que há de mais requintado na hora da reprodução, por vezes sufoca o cantor e esfria o seu entusiasmo - nos momentos em que a sua voz soa mais suave, ela é quase encoberta por baterias eletrônicas e sintetizadores.
Nessa atmosfera, Michael Jackson encaixa letras que, cada vez mais, refletem um jeito paranóico de viver, suas excentricidades - como o hábito de dormir numa câmara de oxigênio - e o medo de morrer, explícito na faixa Speed Demon, em que diz que para ele não há amanhã. Em Bad, canção-título do disco, ele é um garoto revoltado:
Se você não gosta do que estou dizendo
Então por que não dá um tapa na minha cara.
Em Dirty Diana, mostra-se indefeso diante de um olhar sedutor, empilhando tipos que mantém a mesma imagem de ambiguidade sexual dos tempos do LP Thriller. Mas o principal objetivo de Bad não é mexer com a cabeça dos seus fãs. O que Jackson quer é que eles mexam com os pés, as pernas e os quadris. Bad é acima de tudo um disco para dançar, recheado dos ritmos mais atuais do pop negro americano. Só que com tanta parafernália tecnológica é claro seguir o balanço da música. O compositor prova ter ouvido tudo o que surgiu no espaço de quatro anos entre Thriller e Bad - do grupo Run-D.M.C. ao cantor Prince. Talvez tenha ouvido música demais, recebido influências conflitantes, porque quanto mais se procura Michael Jackson em Bad, menos se encontra. Inferior a Thriller, e bem menor que a estridência da propaganda alardeia, Bad poderia até passar em brancas nuvens - não fosse um disco de Jackson.
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