quinta-feira, 11 de novembro de 2010

"É Ele"






por João M. Boscolli em 1992

Quem conseguir olhar para Michael Jackson livre de conceitos e preconceitos dificilmente não sentirá a genialidade de sua obra. Por que esse moço é um dos mais importantes artistas contemporâneos? Na era do descartável, o que o torna há tanto tempo tão fascinante e sedutor? Num mundo com milhares de artistas, por que justo ele é Michael Jackson?

Talento, aplicação e brilho: esse é o seu tridente demoníaco. Michael é um mito parido pela música que jamais cortou seu cordão umbilical. Por ela rompeu com o meio, mergulhando num longo e louco caso de amor, fundindo em si obra, criador e criatura - todos num só. Essa entidade desafia o tempo numa longevidade artística jamais vista no cenário contemporâneo. Seu patrão o prestigia e não pensa em substitui-lo nem demiti-lo. Seu patrão é o público, há 25 anos.

Atacar um artista como Michael Jackson pode ser mais interessante do que vislumbrar sua obra? Creio que não. Ficar contando plásticas é coisa de vizinha desocupada. Vamos nos libertar do vício de falar mal, de praguejar, de ser sarcásticos; sejamos o abutre do abutre do homem. É possível fazer piada com qualquer coisa, ser sarcástico com tudo que quisermos. Agora, quem ganha com isso?

Interpretar Michael é observar nosso tempo, decifrar a nós mesmos. Acho inconseqüente e leviano abordar um mito contemporâneo - ou qualquer outro assunto - sempre pelo prisma do ódio, da intolerância. É impossível enxergar a arte pela ótica do preconceito. Ser despreconceituoso no almoço de domingo e racista na segunda-feira me soa tão falso quanto fazer promessa em campanha já sabendo que, depois de eleito, dará as costas a quem não 'interessar'. Onde está a aplicação dos princípios pregados?

Jackson é um sobrevivente da indústria e da tecnologia, um repórter de seu tempo com muitos conhecimentos. Podem estar refletidas nele muitas transformações necessárias à sociedade. Por que nele? Porque é um artista e um louco. Afinal, quem move o mundo? Quem move Michael Jackson? "A infelicidade, nata da expressão", disse o poeta, numa boa dica para entender a necessidade absurda de comunicação dessa pessoa.

A cegueira de Stevie Wonder é um aleijo físico que desenvolveu maravilhosamente os outros sentidos do gênio. Já o aleijo de Michael é espiritual - roubaram-lhe a infância e a inocência muito cedo. Visualize uma criança transformada em star da noite pro dia e tente imaginar os efeitos disso na sua personalidade. Isso sem falar nos 25 anos de "celebridade".

Tentar comparar Michael Jackson a alguém é perda de tempo. Seu currículo, talento, serviços prestados, importância histórica, longevidade e contribuições artísticas falam por si. Além disso, no mundo das artes - graças a Deus - não precisamos escolher entre um ou outro: podemos gostar de um e outro.

O Prince não precisa ser ruim pro Michael ser bom. Afinal, medir valores, julgar, rotular e criticar nada tem a ver com a arte. São atitudes perigosas, pois se levadas às últimas conseqüências podem dar origem a pensamentos tortos, como, por exemplo, o nazismo.


Sobre a Obra

Em 1978, Michael estava num impasse. Vinha de uma carreira vitoriosa na gravadora Motown com o Jackson 5 e como solista. Quando foram para a CBS (hoje Sony), os Jackson prosseguiram com a carreira estável, mas Michael - prestes a gravar seu primeiro álbum solo na nova gravadora - queria mais.

Muito mais. Tentaria ser uma voz eternamente infantil ou assumiria sua idade? Que repertório deveria adotar? Qual seria seu som? Quincy Jones respondeu todas essas questões e muitas outras. Juntos fizeram Off the Wall, Thriller e Bad, a trilogia que fez Michael Jackson ser Michael Jackson.


Off the Wall - Todo elogio é pouco para esse disco. Quincy, Michael e equipe criaram uma obra de arte que brilha e emociona. Ouça "Don't Stop 'Til You Get Enough" no último volume e depois "Rock With You". O clima, a atmosfera, o astral dessas músicas são divinos, e as interpretações de Michael antológicas. As músicas, as batidas, as linhas de contrabaixo e guitarras, os arranjos de backing vocals, metais e cordas, os timbres, tudo é belo isoladamente, tudo é um show à parte. É o "melhor do melhor" de mãos dadas com o acaso, o incerto e o súbito. O meu favorito.


Thriller - Como quase tudo já foi escrito sobre esse disco, vou contar duas passagens curiosas que não foram muito divulgadas. A música "Um Novo Tempo", de Ivan Lins e Vitor Martins, estava na cabeça de Quincy Jones. Ele a achava uma grande canção e seu tempero "beatle" era o ideal para o single que iria produzir. O sino tocou na sua cabeça e ele resolveu ir em frente. Mas infelizmente o advogado de Quincy na época exigiu uma porcentagem absurda da obra de Ivan e Vitor para administrar a música e o trato não pôde ser feito.

O single, um dueto de Michael e Paul McCartney, ficou sendo "The Girl Is Mine". Michael Jackson, Quincy Jones , Rod Temperton e Bruce Swedien estavam insatisfeitos com o resultado da mixagem do disco. A gravadora precisava dele e o prazo não poderia ser quebrado mais uma vez. Pediram mais tempo e, diante da negativa, Michael propôs que remixassem pelo menos a faixa-título. O engenheiro Bruce Swedien falou que para uma remixarem era tudo ou nada, uma faixa só seria inútil. Mandaram "assim mesmo". Thriller vendeu 55 milhões de cópias.



Bad
- Convenhamos que depois de Thriller seria difícil manter a naturalidade. As pressões e a obrigação de superar marcas eram descomunais. Imaginem só: o mundo esperando seu próximo trabalho. Isso sem falar na loucura em que as vidas de Michael e Quincy tinham se transformado. Adicione o projeto "We Are The World" no meio da história e BOOM! Nesse clima começaram Bad. Gosto das composições de Michael ("Billie Jean" e "Don't Stop 'Til You Get Enough", entre outras), mas nove músicas dele no mesmo disco são muita coisa, na minha opinião. Porém, quem vai dizer não ao homem?

A tecnologia foi uma das principais ferramentas de expressão artística desse trabalho, e isso está refletido no som. Bad é uma boa fotografia da situação, assim como Off The Wall e Thriller também o são. Claro que tudo está certo, Jackson e Quincy Jones são brilhantes. O intrigante é o astral do disco, a vaidade industrializada ao extremo. Escute uma faixa de cada um dos três e sinta. A tecnologia não é boa ou má em si; no caso ela foi a ferramenta que exprimiu a situação emocional das pessoas envolvidas naquele projeto, naquele momento. Gostaria de destacar quatro pontos: 1. o dueto histórico de Michael e Stevie Wonder; 2. o incrível arranjo e a bela interpretação de "Man In The Mirror"; 3. a semelhança entre "Bad" e "I Wish", de Stevie Wonder; 4. "Bad" é o segundo disco mais vendido da história, com 27 milhões de cópias.



Dangerous - Terminada a trilogia com Quincy Jones, Michael recrutou Teddy Riley, incorporando a contemporaneidade do som das ruas que invade a música desde meados dos anos 80. Jackson, Riley e Bruce Swedien entraram de cabeça no projeto "The Sky Is The Limit". Todo dinheiro necessário estava disponível. Gravaram e mixaram 120 faixas (isso mesmo, 120!). Gastaram 10 milhões de dólares. Acho um disco ousado, porque quase tudo nele é rítmico, bateria e voz, num som quase tribal. A maioria das faixas é bem árida, com batidas violentamente pulsantes. Michael é muito amado mas também muito agredido, e isso está registrado no trabalho. Sua raiva, indignação e tristeza estão muito marcadas nas composições e interpretações. É um disco bem duro de forma global. Dangerous é também uma fotografia nítida de Michael e, por que não dizer, do mundo nas grandes metrópoles. Plástico e concreto por todos os lados, motores, poluição e tiros. Sinal dos tempos.

Valem as associações: "Beat It", "Dirty Diana" e "Give In To Me"; "Billie Jean" e "Who Is It"; "Remember The Time" e "Rock With You"; "We Are The World" e "Heal The World". Se Michael fosse um ilustre desconhecido e lançasse Dangerous, talvez seria apontado como um novo gênio. Infelizmente estamos todos armados até os dentes e isso nos impede de apreciá-lo livremente.


O Próximo Disco - Quando o presidente da Sony, Akio Morita, pediu para Michael dar uma entrevista, tentava ali iniciar um processo de "humanização" de sua imagem. Todo aquele exotismo e mistério a seu redor, somados ao cerco da imprensa sensacionalista, transformaram Michael numa figura muito estranha. Michael em fotos, na sua casa, falando em cerimônias ou dando entrevista à Oprah Winfrey só vem a confirmar o que muitos já sabem: ele não foi, não é e nunca será um cara normal. É Michael Jackson 24 horas por dia, não tem volta. Porém, nesse processo de humanização há um aspecto que pode ser interessante à sua obra. Espera-se para o próximo disco algo mais vivo, como Off The Wall, numa retomada das canções, do calor dos músicos e da pulsação humana. Se até a indústria percebeu essa necessidade, então chegou a hora de outra virada.

Fonte: Revista Capricho | EDCYHIS 2003 | MJ Beats


Créditos :: MJJ Secret Lovers

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