sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Smelly

por Quincy Jones, traduzido por Luis Fernando Longhi







Michael Jackson trabalhou com o maestro e produtor Quincy Jones nos seus 3 primeiros álbuns solos pela CBS Records - hoje Epic, Sony Music. O que era só trabalho, virou uma grande amizade. "Q", como o maestro é conhecido carinhosamente pelos amigos e pelo Rei do Pop, acaba de lançar sua autobiografia, na qual dedica vários parágrafos a Michael, a quem chama de "Smelly".


"A primeira vez que me deparei com Michael Jackson, ele tinha 12 anos, e foi em uma festa à tarde na casa de Sammy Davis, em Los Angeles, 1972, enquanto assistíamos o Ed Sullivan Show com o Jackson 5, que o Sammy tinha em uma fita. Michael é um gênio da música pop, mas sua grandiosidade é ainda mal compreendida, até mesmo para ele. Ele começou como um garoto prodígio na Motown, sob o comando de Berry Gordy, nos anos sessenta. Poucos percebem que a cidade de onde ele veio, Gary, em Indiana, era um lugar de dar pena: Michael e sua família tinham incentivos suficientes para sair de lá. Eu senti que ele tinha o potencial para ir além do maravilhoso "grude com marca registrada" que ele tinha feito na Motown, com os Jackson 5, como em "Dancing Machine" e "Ben".


Como ele disse no especial de 25 anos da Motown: "Eu amo cantar com meus irmãos, mas…". A maioria dos astros infantis não conseguem passar disso, da infância, mas Michael era diferente. Eu sempre vou amá-lo. Hoje, jornalistas e críticos parecem determinados a tentar tirá-lo da história, mas isso não vai acontecer. É por isso que chamam de história. Elvis ficou estranho, e assim foram os outros, mais tarde na carreira. Michael Jackson tem o seu lugar na história pop - no topo, não importa o que qualquer pessoa fale sobre os Eagles ultrapassando as vendas dele nos Estados Unidos ou o quão excêntrico ele tenha ficado.


Como ele disse no especial de 25 anos da Motown: "Eu amo cantar com meus irmãos, mas…". A maioria dos astros infantis não conseguem passar disso, da infância, mas Michael era diferente. Eu sempre vou amá-lo. Hoje, jornalistas e críticos parecem determinados a tentar tirá-lo da história, mas isso não vai acontecer. É por isso que chamam de história. Elvis ficou estranho, e assim foram os outros, mais tarde na carreira. Michael Jackson tem o seu lugar na história pop - no topo, não importa o que qualquer pessoa fale sobre os Eagles ultrapassando as vendas dele nos Estados Unidos ou o quão excêntrico ele tenha ficado. Quando se fala em vendas mundiais, Michael é o recorde a ser batido.


Trabalhamos juntos pela primeira vez no "The Wiz - O Mágico Inesquecível", para o qual fui supervisor musical. Michael foi a melhor coisa que saiu do "The Wiz", para mim. Quando eu conheci Michael Jackson, ele já estava no mundo da música há 15 anos, e eles nem tinham uma canção só para ele no filme. A maioria das pessoas envolvidas nas filmagens não tinham a menor idéia de quem era Michael Jackson. Com apoio de outras pessoas, consegui colocar a canção sobre o espantalho e os corvos, "You Can't Win", para ele. Com 19 anos, ele tinha a sabedoria de um homem de 60, e o entusiasmo de uma criança. Ele era verdadeiramente tímido, uma criança travessa com sua incrível inteligência, com sorrisinhos e gargalhadas. Mas dentro daquela pessoa tímida, estava um artista com um desejo em chamas para o perfeccionismo e uma ambição ilimitada para ser o maior entertainer do mundo, não tenha dúvidas. James Brown, Sammy Davis Jr., Fred Astaire, Gene Kelly - essas eram as pessoas que Michael realmente admirava e estudava. Ele ficava assistindo fitas de gazelas e cheetaras e panteras para imitar a graça natural dos movimentos deles.


Ele queria ser o melhor de tudo - ganhar tudo. Ele buscou o melhor modelo de cada categoria para criar um artista e uma persona inigualáveis. Sammy Davis fez a mesma coisa.


Tudo começou com os modelos, mas de algum jeito o limite entre realidade e fantasia ficou borrado. Michael é uma esponja, um camaleão. Ele tem as melhores qualidades de grandes cantores de jazz com os quais já tinha trabalhado: Ella [Fitzgerald], [Frank] Sinatra, Sassy, Aretha [Franklin], Ray Charles, Dinah. Todos tinham uma pureza, um som forte característico, e aquela ferida aberta que os empurrava para a grandeza. Cantar espantava a dor, curava as feridas, e dissolvia os problemas. Música era a saída para as prisões emocionais. A imprensa gosta de ridicularizar Michael por suas roupas militares e seu estilo-de-vida não usual, mas eu não sei como alguém poderia esperar que ele fosse virar o Sr. Zé da Esquina, já que ele está no palco desde quando tinha 5 anos. Como é que você se acostuma com mais que uma dúzia de garotas na tua porta, vendo seus movimentos e esperando, 24 horas por dia, 7 dias por semana? Era a mesma coisa com a qual Presley tinha que lidar. Quando perguntei a Michael sobre as garotas, ele falou: "Elas sempre estão lá, desde que me conheço por gente". Na verdade, de acordo com Michael, "Billie Jean" foi baseada em um incidente no qual uma jovem teria pulado no muro que cercava a casa dele, e ter ficado escondida na piscina dele. Mais tarde, ela o processou, dizendo que ele era o pai dos dois gêmeos dela.


A primeira vez que ele veio em casa, ele me falou "Estou pronto para fazer o meu primeiro álbum solo. Você acha que pode me ajudar a achar um produtor?". Eu falei: "Eu tenho o prato cheio agora, estou tentando começar a pré-produção do filme, mas eu vou pensar". Enquanto ensaiávamos as cenas musicais do "The Wiz", eu ficava cada vez mais e mais impressionado.


Ele estava sempre superpreparado. Ele apareceu às 5h da manhã para a maquiagem, e tinha todo detalhe de suas falas memorizadas e pronto para toda filmagem. Ele também sabia todos os passos de dança, toda palavra de todo diálogo, e todas as letras de todas canções de todo mundo da produção. Uma parte do papel dele era tirar pedacinhos de papel com provérbios de famosos filósofos de sua roupa. Uma tarde, quando ensaiávamos uma cena, ele ficava pronunciando errado o nome de Sócrates, que era uma das falas. Ele ficava se referindo a ele como "Socrátes". Depois de 3 dias, ninguém o tinha corrigido, então eu puxei para um canto durante um intervalo e cochichei: "Michael, antes que isso se torne costume, eu acho que você deveria saber que o nome é pronunciado Sócrates".


Ele falou: "Verdade?". Que reação! Ele foi tão educado e doce. Aqueles olhos enormes se abriram, e bem naquele momento eu me comprometi: "Eu queria tentar e produzir o seu novo disco".


Depois do fim das filmagens, ele voltou para a gravadora, Epic, e junto com os empresários, Freddie DeMann e Ron Weisner, contou para os chefes que ele queria que eu produzisse o seu álbum. Eles não gostaram. Afinal, era 1977 e a disco music reinava. Disseram: "Quincy Jones é muito jazzista, e ele só produziu hits dance com os Brothers Johnson". Foram as mesmas palavras que o pessoal da Motown usou para me descrever anos antes de Stevie Wonder e Marvin Gaye me telefonarem e falar "Vamos fazer algo juntos". Quando Michael compartilhou de sua preocupação, eu falei: "Se for pra nós trabalharmos juntos, Deus vai fazer isso acontecer. Não se preocupe".


Michael é um devoto das Testemunhas de Jeová - ele às vezes até se vestia como uma pessoa normal e andava pela vizinhança para passar a palavra - mas ele não estava vivendo aquilo como religião.


Ele voltou para a Epic com DeMann e Weisner, e falou, "Eu não ligo pro que vocês pensam. Quincy vai fazer o meu disco", e eles concordaram. Ensaiamos tudo na minha casa. Ele era tão tímido que ele tinha que se sentar e cantar atrás do sofá, virado de costas, enquanto eu ficava sentado cobrindo meus olhos e com as luzes apagadas. Tentamos todo tipo de coisa que eu tinha aprendido durante vários anos para ajudá-lo com seu crescimento artístico, como descer três tonalidades nos acordes para dar flexibilidade e uma variação mais madura nos agudos e graves, e várias mudanças no compasso. Eu o tentei e pressionei a fazer canções com mais profundidade, algumas delas sobre relacionamentos. Setth Riggs, um dos maiores técnicos vocais, deu a ele exercícios de aquecimento bem fortes, para aumentar o alcance vocal em ao menos metade de uma oitava, o que eu realmente precisava para conseguir o "drama".


Michael e eu nos dávamos muito bem. Quando estávamos prontos para gravar, eu fiz aquela pose e atacamos o disco. Michael fez a maioria dos vocais em um só take, sem ter que regravar. Como resultado, o disco Off the Wall vendeu 10 milhões de cópias. O que é isso para jazz? Ironicamente, todos os que duvidavam na Epic, brancos ou negros, ficaram no emprego por causa do sucesso do disco, o disco mais vendido de um negro até aquela época.


Logo quando Michael e eu estávamos para começar um segundo álbum, conheci Steven Spielberg, que estava fazendo "E.T." enquanto eu fazia Thriller.


Depois de "E.T." chegar e conquistar o mundo, Steven me pediu para fazer uma canção para o E.T. Storybook, com Michael cantando. Eu já estava atrasado nas gravações de Thriller. Tínhamos apenas quatro meses para terminar, mas eu falei que estava tudo certo, porque inicialmente o projeto envolvia apenas uma canção.


Eu pedi a Marilyn e Alan Bergman e Rod Temperton para a comporem, a qual Michael cantou, e Steven amou. Ele falou: "Nossa, isso é ótimo! Porque vocês não fazem o disco inteiro?". Isso era um desafio, já que tínhamos que cozinhar aquela experiência visual de duas horas - um dos filmes mais bem-sucedidos da história - em uma experiência auditiva de 40 minutos.


Steven não tinha idéia do tanto de tempo que levava para se fazer um disco desse. Além disso, Epic estava ficando nervosa com Thriller. Foi quando chegaram Kathy Kennedy, um produtor de 28 anos, e o editor do filme, Bruce Cannon, com uma caixa enorme carregada com os passos de E.T., efeitos sonoros, a trilha inteira de John Williams, e todos os diálogos do filme. Eu comecei logo em seguida, assumindo que os advogados da Universal iriam tomar conta dos detalhes.


Começamos o projeto e era uma estrada de pedregulhos. Eles tinham uma narrativa mediana, e tivemos que reescrevê-la para que o ouvinte que nunca tinha visto o filme pudesse entender perfeitamente a história ao ouvir o disco. Nem tínhamos tempo para colocar em uma fita separada; era só um rolo contínuo, de 40 minutos, com o diálogo, música e efeitos sonoros. Não havia nenhuma edição digital na época, que teria salvado tempo e raiva. Foi um pesadelo. Levou 6 semanas para aprontar tudo, enquanto gravávamos Thriller ao mesmo tempo, e agora eu tinha só dois meses para terminá-lo.


No meio tempo, a Epic já estava sabendo o que Michael estava fazendo, e a m*rda foi pro ventilador. A MCA Records e a Universal Studios, onde o Steven tinha o seu quartel-general, nem se importaram em acertas as coisas legais com a Epic para o maior artista negro do mundo. As ações deles pareciam refletir a atitude de que "Michael Jackson está trabalhando com Spielberg. Vocês deveriam estar feliz". Eles não tinham nenhum respeito por Michael.


Walter Yetnikoff, o presidente da Epic Records, veio espumando de raiva. "Pro inferno o Quincy. Pro inferno o Steven. Pro inferno o Sid Scheinberg e a Univeral". Ele soltou uma proposta. Ele queria meio milhão de dólares em dinheiro vivo, ou então o " E.T. Storybook " não seria lançado. A Universal continuava complacente e parecia não se preocupar. Eles não ligavam. E Steven era leal com a Universal. Ele não queria ouvir nada.


Eu estava recebendo faxes e ligações em conferência, durante todo o dia e noite, sobre o "E.T. Storybook", enquanto tentava trabalhar com Thriller. E tudo se alongou por mais 2 meses, advogados indo e voltando, como só eles sabem fazer. Walter Yetnikoff queria o meio milhão de dólares a ser pago a CBS, que era dona da Epic. Eles pegaram tudo pra eles. Nem Walter ou a CBS pagou um centavo sequer a mim ou a Michael - nunca. No fim, a Universal lançou 500.000 cópias do disco em um pacote de luxo, que era tudo que o acordo permitia. Virou item de colecionador imediatamente, e o álbum ganhou um Grammy.


A gravação de Thriller em pouco mais de 2 meses foi como dirigir um foguete. Tudo era em hipervelocidade. Rod Temperton, que co-compôs várias faixas do álbum, e eu ouvimos cerca de 600 canções antes de escolher 12 que gostávamos. Rod então ia me enviar 33 canções dele mesmo, todas demos completas.


Michael também escrevia música como uma máquina. No tempo que trabalhei com ele, ele compôs 3 faixas de Off the Wall, 4 em Thriller e 6 em Bad. Em Thriller, eu estava implorando a ele para fazer uma versão ao estilo Michael Jackson de "My Sharona". Um dia, eu fui pra casa dele e falei "Smelly, desista. O trem está deixando a estação". Ele falou "Quincy, eu tenho isso aqui e quero que você ouça, mas não está pronta. Eu não tenho os vocais".


Eu chamava Michael de "Smelly" porque quando ele gostava de uma música ou de uma certa batida, ao invés de ele chamar de "funky", ele chamava de "smelly jelly". Quando algo era muito bom, ele falava "Isso é smelly jelly". Eu falei "Smelly, está ficando tarde, vamos fazer isso". Levei-o para o estúdio na casa dele. Ele chamou o engenheiro de som e arrumamos os vocais. Michael cantou com o coração. A canção era "Beat It".


Sabíamos que a música era quente. Em "Beat It", o negócio era tão quente que, a certo ponto, quando Bruce Swedien nos chamou, o alto-falante direito explodiu em chamas. Nunca tínhamos visto nada como aquilo em 40 anos que eu estava no ramo. Foi nessa época que comecei a ver a loucura que era a vida de Michael, durante as sessões de Thriller. Uma vez, estávamos gravando no Westlake Studio e uma garota californiana muito saudável passou pela janela do estúdio, que era um espelho de uma face virado pra rua, e puxou o vestido dela até a cabeça. Ele não estava vestindo nada por baixo. Rod e Bruce e eu ficamos de olhos arregalados. Foi bem naquele período em que estávamos pressionados a entregar o álbum. Ficamos lá brincando. Viramos e vimos Michael, uma Testemunha de Jeová dedicada, se escondendo atrás do console.


Fizemos a mixagem final até as 9 da manhã do dia em que tínhamos que entregar a cópia de referência. Estávamos gravando em 3 estúdios. Colocamos os toques finais nos vocais de Michael em "Billie Jean". Então o Bruce colocou a magia dele colocando uma versão ao vivo da bateria, substituindo a sintetizada. Levei o Eddie Van Halen para outro pequeno estúdio com 2 grandes alto-falantes Gibson e 2 caixas de cerveja para ele fazer o seu clássico solo de guitarra. Bruce foi embora com a fita para o estúdio de Bernie Grundman para masterizar o disco. No meio tempo, levei Michael para minha casa, fiz com que ele deitasse no sofá, e o cobri com um cobertor para uma soneca de 3 horas.


Ao meio dia, tínhamos que estar de volta para ouvir o disco que seria distribuído ao mundo. Eu não conseguia dormir, a ansiedade era enorme. Tínhamos trabalhado em demasia.


Chegou então o grande momento. Rod, Bruce, Michael, os empresários Freddie DeMann e Ron Weisner, e eu, sentados e ouvindo a prensagem final de teste de um disco que era para ser a seqüência de Off the Wall. Foi um desastre. Depois de todas as faixas maravilhosas e as ótimas performances e a grande mixagem, chegamos a nada. Havia um grande silêncio no estúdio. Um a um, fomos para o corredor, para ter um pouco de privacidade. O silêncio era ainda maior.


Colocamos muito material no disco. Para ser competitivo no rádio, você precisa de umas batidas bem marcantes, para fazer um som marcante. Se você pegar umas batidinhas, você fica com um sonzinho. Tínhamos 28 minutos de som em cada lado, sabíamos que não havia nada a discutir. Smelly falava "não, essa é a jelly - é isso que me faz dançar", o que acabava com a conversa toda vez. Com vinil, tínhamos de ser realistas, tinha que ser 19 minutos de música em cada lado. No CD não importa, porque é tudo digital. Bem lá dentro, sabíamos de tudo enquanto gravávamos, mas escolhemos não lidar com a realidade devido à nossa fatiga e euforia musical.


Estávamos com um problema, e Michael chorava. Ele falou "o que fazemos agora?". "The Girl Is Mine", o single, já estava no mercado e no #02 das paradas, o álbum estava atrasado. A gravadora queria a fita master para aquela tarde. Falamos para Larkin Arnold: "No atual momento, esse disco não pode ser lançado".


Tiramos 2 dias de folga e nos próximos 8 dias, fomos mixando uma faixa por dia. Rod cortou um verso de "The Lady In My Life" e Smelly finalmente concordou em desistir da mais que longa introdução de "Billie Jean".


Um artista que estava se destacando falou sobre "The Girl Is Mine": "Depois de tanto tempo, é isso que eles fizeram?". De jeito nenhum - a canção era só para abrir o disco. Uma seguindo a outra, "Billie Jean" e "Beat It" tomaram conta das paradas, indo ambas para o topo. Michael estava espalhado pelo globo, visualmente e musicalmente: Michael, os vídeos na MTV e a música levaram tudo para a glória. O single "Thriller", que veio um ano e meio depois do álbum, foi o primeiro vídeo de 14 minutos e foi tratado como a estréia de um longa-metragem por todo o mundo. A verdade é que muito dos vídeos que viraram marca-registrada na MTV imitam "Beat It", "Thriller" e "Billie Jean", com a coreografia de Michael por toda a tela, até hoje. Ele ajudou a definir os vídeos musicais em termos de estilo, seqüências de dança, e a performance num todo. A CBS gosta de alegar o crédito, mas foi Steve Ross que insistiu que a MTV levasse o vídeo ao ar, porque a política do canal era focar em "apenas rock'n roll", e não em artistas negros.


Os fãs não podiam ficar longe de Michael depois que Thriller tomou conta do mundo. Michael era um tipo diferente de artista. Totalmente dedicado. Ele praticava dança por horas. Todo passo, todo gesto, todo movimento era cuidadosamente concebido e considerado. Ele vivia em um reino de fantasia porque era o que funcionava para ele. Na sua casa em Hayvenhurst, ele tinha um papagaio cheio de atitude e uma cobra chamada Muscles. Um dia, Muscles estava sumida. Eles olharam por toda a propriedade, por dentro e por fora, e dois dias depois eles finalmente acharam a cobra ao lado da gaiola do papagaio, com o bico dele pra fora da boca. A cobra tinha engolido todo o maldito papagaio e não conseguia colocar a cabeça pra fora da jaula porque não havia digerido o passarinho inteiro.


De um certo modo, isso é uma metáfora pra vida de Michael após Thriller, porque em certo ponto, ele não conseguia sair da gaiola. Tudo ficou muito grande pra ele.


Você tem que lembrar que a indústria da música produz um monstro toda década, aquele fenômeno que arrasta multidões: nos anos 40 foi Frank Sinatra, nos 50 foi Elvis, nos 60 os Beatles. Nos anos 70, Stevie Wonder e a introdução do som Dolby para todos os filmes tiveram um grande impacto. Nos anos 80, Michael tomou o poder, porque não importava o que os outros tinham feito, ele estava anos-luz na frente. Thriller vendeu sozinho mais de 50 milhões de cópias, muito mais que qualquer outro álbum na história da música. Vamos falar a verdade: Michael era o maior artista no planeta Terra. Fizemos história juntos. Essa foi a primeira vez em que um artista negro ganhava o coração de todo mundo, dos oito aos oitenta anos, no mundo inteiro. Isso era quebrar grandes barreiras.


Para promover o álbum, eu viajei muito com o Michael, para o Japão e toda a Europa, ajudando-o com coletivas de imprensa em grandes cidades, junto com o empresário Frank Dileo. Michael e eu tivemos grandes aventuras juntos, mas lidar com o sucesso é tão difícil quanto lidar com o fracasso. Eu acredito que você tem que olhar o sucesso nos olhos. Mas se você começar a acreditar muito nos elogios e adulação, então quando eles dizem que você é uma *****, você vai ter que engolir isso também. Isso é uma grande armadilha, e pra você lidar com tudo é um estresse fisiológico. Você precisa de um centro espiritual para navegar por todo o caminho e sair vivo. Ninguém fica no topo. Ninguém. Eu estou vendo isso há muito tempo. Eu trabalhei com os melhores, e nunca tentei buscar a celebridade. Apenas nos encontramos, e eu consegui os benefícios que Sinatra ou Michael conseguiram, mas sem todos os percalços. Quando a fama chega pra você, você tem que estar pronto. E quando chove, você tem que se molhar.


Michael trocou de empresário três meses após o lançamento de Thriller. Michael reagiu aos problemas externos do nosso sucesso. É como um furacão em um buraco negro: ele te suga, te coloca de ponta-cabeça e depois cospe. Até hoje as pessoas esquecem que, lá no fundo, Michael era um "caipira". Eu vivia no Stone Canyon Road, uma das ruas mais bonitas de Los Angeles, apenas duas quadras do Bel Air Hotel. Michael um dia veio para uma festa usando um chapéu Kangol e estacionou seu novo Rolls-Royce a 3 quadras da minha casa. Ele sendo de Gary, Indiana, e eu de Chicago, eu sabia que ele ia pegar um pedaço de pedra do meio dos arbustos, quando saiu de casa às 2 da manhã. Eu falei: "Smelly, isso não é Gary ou Chicago. Isso é a rua mais segura de Los Angeles". Eu falei pra ele que aquilo era ser caipira, brincando, e ele gargalhou. Ele tentava bancar o sofisticado, e eu esperava o lado caipira aparecer, fosse quando ele estava usando os sapatos pretos sem salto - não há coisa mais caipira que aquilo - ou então sugando o macarrão chinês.


Fizemos outro álbum juntos, Bad, que vendeu 25 milhões de cópias. Quando o gravamos, em 1987, eu queria fazer uma faixa contra as drogas, com o Run DMC e o Michael. O grupo apareceu no Westlake Studios várias vezes, prontos para gravar, mas Michael estava em dúvida se o rap seria uma boa opção, e ele não era o único.


Nesse ponto, eu já havia montado uma companhia multimídia - tinha sido sempre meu sonho. Era hora de mudar. Além disso, membros-chave da equipe de Michael, incluindo seu advogado, estavam sussurrando nos ouvidos dele que eu estava ganhando muito crédito. O irmão dele, Jackie Jackson, falou para um canal de TV que eu queria ter colocado "Billie Jean" fora do álbum. Por favor! Depois de todos os sucessos que eu e Michael havíamos feito, ele e os irmãos estavam indo para o estúdio gravar um álbum deles. Dizem que o pai dele, Joe, falou: "Quincy não é produtor coisa nenhuma. Eu sei de um produtor que faria aquele disco por somente US$25.000".


Michael era como um membro da família, um filho adotivo. Ele passava muitas horas com minha filha Kidada, uma garota de oito anos na época. Eles adoravam um ao outro e se entendiam muito bem, apesar da diferença de idade - ele tinha vinte anos na época. A mãe dela uma vez achou uma conta de telefone que mostrava que Kidada tinha feito 90 ligações interurbanas para Michael em um único mês. Ela usava o telefone como Herbie Hancock tocava teclado. Atualmente, eu sinto muito ao falar disso, eu não vejo Michael o tanto que eu gostaria ; nossas vidas mudaram dramaticamente. Mas até o fim dos meus dias, ele vai ser sempre uma grande parte de minha alma e memórias, e meu coração e braços sempre estarão abertos para ele. Não houve coisa melhor que os anos oitenta. Até hoje, ninguém conseguiu fazer mais e melhor que o Smelly. Eu agradeço a Deus por cada minuto.


      

Fonte: MJBeats (Abril de 2002) MJJ Secret Lovers

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